O webinar Saúde na Roda — 180 Dias é Regra discutiu, na edição de novembro, o tema Impactos e Prejuízos Causados pelos Atrasos na Disponibilização de Novas Tecnologias aos Pacientes Acometidos por Doenças Crônicas no Brasil. Participaram do debate a jornalista Camila Tuchlinski, a fundadora e presidente da Associação Brasileira de Pessoas com Hemofilia (Abraphem) e mãe de paciente com Hemofilia A grave, Mariana Battazza, e o coordenador de Relações Governamentais da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de apoio a Saúde da Mama (Femama), Alexandre Ben Rodrigues. O moderador do encontro foi o advogado Paulo Benevento, especialista na área de Saúde da Associação Crônicos do Dia a Dia (CDD).
Concluiu-se, mais uma vez, que ainda é necessário muito esforço na construção de soluções para acabar com entraves e gargalos existentes nas diversas fases burocráticas necessárias para que as tecnologias incorporadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) cheguem ao paciente. O descumprimento do prazo legal de 180 dias para a oferta de medicamentos no Sistema Único de Saúde continua causando prejuízos incalculáveis aos que necessitam dos tratamentos.
Análise de caso com apoio de ferramenta de monitoramento:
- Utilizando plataforma de Power BI e a partir de metodologia proprietária (Incorporômetro), a Crônicos do Dia a Dia detectou que há um atraso de 471 dias desde a incorporação de dois fatores VIII de longa duração, prescritos para o tratamento de hemofilia A grave. Até hoje não foram ofertados aos pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
- O motivo do atraso é a publicação de portaria do Ministério da Saúde com uma condicionante para que uma Parceria por Desenvolvimento Produtivo (PDP) que era mantida pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) e uma farmacêutica não fosse prejudicada.
- Histórico: de acordo com a Abraphem, a incorporação das medicações teve parecer aprovado pela Conitec em setembro de 2021, com a excepcionalidade da realização de uma audiência pública em novembro do mesmo ano e publicação das portarias somente em fevereiro de 2022. Isso, por causa do contrato de transferência de Tecnologia da Hemobrás e Takeda que terminou em agosto do mesmo ano e até hoje a medicação não foi ofertada aos pacientes.
- Até hoje, não foi desenvolvido nem o PCDT (Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica) para incluir os fatores. Por esse motivo, a Abraphem reuniu-se por duas vezes com o Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS) para questionar e pedir esclarecimentos a respeito da ausência de pregões e cancelamento de editais para a compra e oferta das medicações. A entidade também solicitou a anulação da portaria anterior o que não foi atendido até o momento.
- Resultado preocupante: com o atraso das ofertas desses medicamentos no SUS, os pacientes crônicos ficam à margem do acesso a novos produtos lançados internacionalmente e pesquisas clínicas com tratamento disruptivos e terapias gênicas que estão sendo desenvolvidos no mundo todo trazendo mais qualidade de vida e adesão a um tratamento mais eficiente dos hemofílicos.
E no caso da Oncologia?
Cenário complexo para o tratamento do câncer no Brasil: a maioria dos medicamentos segue o modelo descentralizado da assistência oncológica, o que faz com que se perca o poder de melhor negociação na compra das tecnologias pelo Estado, com a aquisição sendo feita pelos hospitais habilitados em oncologia. Esses últimos assumem protagonismo com menor poder de compra.
Outros fatores que complicam o cenário é o uso de Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas em patologias graves, sendo essas apenas orientativas, não obrigando os hospitais a acatá-las. Isso faz com que sejam usados diferentes tipos de tratamento para a doença num mesmo território e leva à falta de equidade no sistema. A desatualização das Autorizações de Procedimento Ambulatorial de Alta complexidade/custo (Apacs) resultam numa guerra de narrativas e responsabilidades entre o Ministério da Saúde e os gestores estaduais.
Atraso na oferta de inibidores de ciclinas: segundo a Femama, apesar de existir predisposição política e interesse público sobre o tema, que já teve consolidadas datas de conscientização como o Outubro Rosa e o Novembro Azul, mesmo assim ainda há a necessidade de ações resolutivas fundamentais, as quais estão demorando para se concretizar.
Como exemplo, pode-se citar o atraso de 500 dias na distribuição aos pacientes de uma classe de medicamentos como os inibidores de ciclinas. Eles atuam na regulação do ciclo celular e são indicados para o tratamento do câncer de mama, tendo sido incorporados pela Conitec em 2021. Até agora, entretanto, não são ofertados pelo SUS.
A Femama vem atuando em rede para levar essas questões relevantes para as discussões com os órgãos responsáveis pelo cumprimento da Lei dos 180 dias e disponibilização dos medicamentos à sociedade.
Femama em 2024
Em 2024, a Femama pretende reforçar o trabalho de advocacy, com maior presença regional:
- incorporar mais inteligência nas localidades para a fiscalização do cumprimento da lei dos 180 dias;
- ampliar a participação popular, capacitando com qualidade interessados na construção de políticas públicas em Saúde;
- disponibilizar mais informações e produzir dados estatísticos para suportar e qualificar ainda mais a atuação dos tomadores de decisão, na implementação e execução eficiente das leis em todas as esferas da gestão pública brasileira.
Abraphem em 2024
A associação pretende:
- atuar para estreitar ainda mais os laços e garantir o apoio consolidado da Federação Mundial de Hemofilia, instituição renomada e atuante há 50 anos, que congrega um conselho técnico científico respeitado mundialmente.
- criar uma ouvidoria da hemofilia, como ferramenta oficial para o gerenciamento de dados relacionados a doença que contribuam na construção de políticas públicas para os hemofílicos, na discussão sobre a necessidade de incremento para financiamento das políticas em saúde pública; e na continuação do trabalho pela incorporação de novas tecnologias.
Conclusão
Acreditamos ser fundamental a participação das associações de pacientes, comunidade médica, indústria, meios de comunicação e sociedade civil organizada no desenvolvimento de ações de awareness (alerta, conscientização), contribuindo com eficiência para sanar ou minimizar os efeitos causados pelos atrasos nas ofertas de medicamentos para os doentes crônicos no Brasil.
Não somente os pacientes acometidos por doenças crônicas, mas toda a sociedade em geral pode e deve contribuir com legitimidade nos debates sobre a criação, implementação e fiscalização das políticas de assistência à saúde pública, por serem todos nós os maiores consumidores dessas políticas em nosso país.