Por Fernanda Simoneto, da Redação AME/CDD
Um relatório divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em março de 2023 indicou baixos estoques das canetas de insulina rápida no Sistema Único de Saúde (SUS). Solicitado pelo Congresso Nacional, o documento indicava risco de desabastecimento desse tipo de insulina a partir de maio. O medicamento é usado principalmente para pessoas com diabetes tipo 1.
Em ação emergencial, o Ministério da Saúde (MS) autorizou os estados a realizarem a compra do medicamento com possibilidade de ressarcimento pela União. Mas a medida não resolve o problema de desabastecimento. “A indústria farmacêutica já vinha alertando há pelo menos um ano sobre a possibilidade de falta, mas o Ministério da Saúde não se preparou”, explica Mário Moreira, sanitarista e consultor em saúde das ONGs Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD).
Em agosto de 2022 e fevereiro de 2023, houve duas tentativas de compra sem êxito. Nenhuma das empresas com autorização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para venda do medicamento no território brasileiro participou dos pregões.
Representantes da indústria alegam que não participaram do processo devido à restrição na capacidade de produção. “Os países que mais produzem insumos farmacêuticos são a Índia e a China, e a guerra entre a Ucrânia e a Rússia prejudicou a logística de produção”, afirma Moreira.
Outra razão apontada foi o temor de não conseguir atender a quantidade de canetas necessárias. As farmacêuticas também afirmam que o preço oferecido pelo governo brasileiro está abaixo do esperado.
A insulina de ação rápida é utilizada principalmente pelos indivíduos com diabetes tipo 1. O tratamento é feito com a administração da insulina antes das refeições para manter os níveis de glicose estáveis no corpo. Como tem ação rápida, o medicamento começa a agir cerca de 30 minutos após a sua aplicação.
Karla Melo, médica endocrinologista e coordenadora do Departamento de Saúde Pública da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), explica que a alimentação provoca uma elevação da taxa de glicemia – por isso, é preciso aplicar insulina de ação mais rápida.
Saída emergencial
Uma das medidas adotadas pelo Ministério da Saúde foi permitir a importação das canetas de insulina pelos estados. Como necessitam de menos doses, têm mais chances de encontrar fornecedores com estoques mais enxutos que possam realizar a venda.
A longo prazo, no entanto, a medida é insuficiente e arriscada. “O processo de importação é complicado. Não é interessante transferir a responsabilidade para os estados”, argumenta Karla Melo.“Outro grande problema é que ela coloca os estados para competirem”, completa.
A nota técnica divulgada pelo MS indica que o órgão segue buscando fornecedores internacionais para aquisição de forma emergencial. Um levantamento sobre as quantidades disponíveis nas Secretarias de Saúde de cada estado foi feito a fim de indicar a possibilidade de realocação entre eles. Com base nisso, houve um remanejo dos estoques, o que garantiu a distribuição do medicamento até o início de maio.
Se o desabastecimento não for solucionado, há a substituição das canetas por frascos. Nesse caso, a insulina precisa ser aplicada com o seringas. “Isso é um retrocesso no tratamento”, afirma Karla Melo. “Uma coisa é tirar uma caneta da sua bolsa, outra é pegar uma seringa, ter que fazer a assepsia da região e aplicá-la”. As canetas para insulina estão disponíveis no SUS desde 2017.
Para os especialistas consultados, a dificuldade de aquisição pelo MS pode gerar faltas no sistema privado também. “É preciso lembrar que muitos desses pacientes irão procurar uma rede de farmácias comerciais para comprar suas insulinas, porque precisam disso para viver”, alerta Melo.
“Se a união e os estados não conseguirem fazer a aquisição, com certeza há um risco real de desabastecimento deste medicamento”, preocupa-se Moreira.
Riscos do diabetes
De acordo com o Índice do Diabetes Tipo 1, estudo internacional produzido em parceria com a SBD, 588 mil brasileiros vivem com a doença. Mais comum entre crianças e adolescentes, é caracterizado pelo ataque do sistema imunológico às células beta, responsáveis pela produção de insulina.
Diferentemente do diabetes tipo 2 – onde o manejo da obesidade, os exercícios físicos e uma alimentação balanceada podem atuar como medidas preventivas –, no diabetes tipo 1 não existem formas conhecidas de evitar seu aparecimento.
Com a produção de insulina afetada, as taxas de glicemia no sangue ficam desequilibradas, o que gera uma série de riscos. Uma das mais graves é a cetoacidose diabética, uma complicação aguda causada pela queda do pH sanguíneo em decorrência da falta de insulina que pode levar à morte.
Outro risco está atrelado à necessidade de troca de medicação. É preciso consultar um médico para ter o medicamento adequado, bem como as doses indicadas para cada paciente.
“A troca não pode ser feita sem acompanhamento médico”, alerta a endocrinologista. Pessoas com a doença devem procurar seus médicos para planejar o tratamento em uma provável falta das doses no SUS, orienta Karla Melo.